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quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Dos limites do heroísmo na omissão de socorro pelas autoridades públicas

Um bombeiro vê alguém dentro de uma casa totalmente tomada pelo fogo.
Um policial vê um homem bomba prestes a explodir tudo ao seu redor.
Um salva-vidas vê uma pessoa se afogando no mar, cercado por tubarões.
Um médico vê alguém com hemorragia externa grave e não está com o equipamento de proteção necessário para realizar o atendimento.

Todos os sujeitos ativos citados anteriormente tem a obrigação legal de garantidor público da vida e seu descumprimento resulta em crime previsto no Código Penal Pátrio, que diz:

"Omissão de socorro

Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte."


Garantidor público basicamente é a pessoa que revestida de autoridade pública que por contrato (juramento) ou por força de lei, tem a obrigação de tutelar a vida.

Tal obrigação encontra-se embasada no artigo 13, §2º do CP que reza:

"Relação de causalidade

Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
...
§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; 
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado."


O resultado então se dá ao liame entre o resultado proibido e a violação do dever pessoal de garantidor.
O dever de enfrentar não é de caráter absoluto e limita-se no princípio da razoabilidade não tendo o agente que se sacrificar ao nível do heroísmo. O princípio da razoabilidade também vige no texto em tela e arrima-se tal afirmação no artigo 24 do Código Penal Brasileiro, qual seja:

"Estado de necessidade
Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se." (sem grifo no original)

Muito antes do dever de tutelar a vida de outrem, resta observar o artigo 5º da Constituição Federal que diz:


"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:"

Frisa-se ainda que a omissão de socorro pra quem tem o dever legal de garantidor da vida e não o faz é classificada como crime omissivo impróprio ou comissivo por omissão ou crime impuro.

Bem jurídico Tutelado: A vida

Sujeitos:

  1. Ativo: qualquer pessoa que tenha obrigação de tutelar a vida, desde que não tenha provocado dolosamente ou culposamente a situação de perigo
  2. Passivo: qualquer pessoa em situação de risco.
Tipo objetivo: Deixar de prestar assistência necessária à tutela da vida
Tipo subjetivo: Dolo direto (também conhecido como dolo de primeiro grau, ou seja, que era almejado) ou eventual (resultado previsível)

Da tentativa
Tão logo tome conhecimento e nada faça para impedir o resultado, que veio a ser impedido por um terceiro ou por força alheia ao garante ocorre a tentativa

Em suma os crimes omissivos impróprios (comissivos por omissão/impuros):
- são crimes de resultado (materiais);
- só podem ser praticados por certas pessoas, chamadas de garantes, que por lei têm o dever de impedir o resultado e a obrigação de proteção e vigilância a alguém;
- a omissão não pode ser imputada ao acusado se o resultado ocorreria de qualquer forma, mesmo que ele agisse;

Cita-se Conde, Francisco Muñoz. Ob. cit. p. 108-9, ao ressaltar:

"princípio da exigibilidade do dever de enfrentar o perigo, porém não é absoluto. Os limites da exigência de sacrifício devem coincidir com os limites com os limites legais ou sociais do exercício de sua profissão. Mais do que isso, não se pode exigir de ninguém um comportamento heroico ou virtuoso".

Post Scriptum: O texto foi focado nos entes públicos. Há também de se considerar, no estudos dos crimes omissivos impróprios, que podem ser cometidos, por exemplo, a mãe que querendo matar o filho deixa de amamentá-lo ou ao cônjuge que deixa de prestar auxílio para sobrevivência do outro e assim por diante.

Referências
http://www.ibccrim.org.br/site/revistaLiberdades/_pdf/04/artigo1.pdf
http://pt.wikipedia.org/wiki/Omiss%C3%A3o_de_socorro
http://octalberto.no.sapo.pt/classificacao_dos_tipos_de_crime.htm
http://www.angelfire.com/ar/rosa01/direito70.html
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm
http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1677/Os-crimes-omissivos-improprios
http://www.bibliotecapolicial.com.br/upload/documentos/OMISSAO-IMPROPRIA-E-ATUACAO-DO-BOMBEIRO-MILITAR-21069_2012_1_12_50_44.pdf