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terça-feira, 6 de março de 2012

Sobre perdas e danos... Vender DVD pirata, NÃO É CRIME!

Parabéns pela SENTENÇA! 


COMARCA DE ALVORADA
2ª VARA CRIMINAL E INFÂNCIA E JUVENTUDE
Rua Contabilista Vitor Brum, s/n, Parada 48
___________________________________________________________________


Processo nº:
003/2.10.0009449-0 (CNJ:.0094492-67.2010.8.21.0003)
Natureza:
Crimes contra a Propriedade Imaterial - DL 7903/45 - Lei 7646/87
Autor:
Justiça Pública
Réu:
Diego Fernandes Marques
Juiz Prolator:
Juiz de Direito - Dr. Roberto Coutinho Borba
Data:
02/03/2012

“(...) Quando se dirigem a comportamentos típicos dos indivíduos pertencentes às classes subalternas, e que contradizem às relações de produção e de distribuição capitalistas, eles formam uma rede muito fina, enquanto a rede é frequentemente muito larga quando os tipos legais tem por objeto a criminalidade econômica, e outras formas de criminalidade típicas dos indivíduos pertencentes às classes no poder”. ALESSANDRO BARATTA, in “Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal”, Rio de Janeiro, Ed. Revan, 3ª ed., 2002, p. 165.

Vistos etc.
RH.

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra DIEGO FERNANDES MARQUES, devidamente qualificado nos autos do processo, por suposta incurso no tipo penal descrito no art. 184, par. 2º, do Código Penal, nos seguintes termos:

“(...) Em 14 de outubro de 2009, por volta das 18h30min, em via pública, na Rua Vinte e Quatro, em frente ao nº 375, em Alvorada/RS, o denunciado DIEGO FERNANDES MARQUES, com o intuito de lucro, expôs à venda obras intelectuais reproduzidas com violação de direito autoral, sem autorização expressa do autor, consistente em 75 DVDs piratas.
Na ocasião, o denunciado expunha à venda os DVDs de diversos títulos, em uma grade de aproximadamente 1mx1m, momento em que foi abordado por policiais militares, os quais apreenderam o aludido material.
Os produtos são falsos, conforme laudo preliminar incluso-”.

Recebida a denúncia.

Defesa preliminar apresentada.

Não acolhido o pedido de absolvição sumária.

Instruído o feito com a oitiva de testemunhas e o interrogatório do acusado.

Aportou aos autos laudo pericial.

Encerrou-se a instrução, com a conversão dos debates orais em prazo para oferecimento de memoriais.

Em sede de razões finais, o MP opinou pela procedência da denúncia, com a condenação do acusado, visto que comprovadas a materialidade delitiva e a autoria.

A defesa técnica, por sua feita, aventou da insuficiência probatória no sentido de que o acusado tenha exposto à venda produtos falsificados. Teceu considerações sobre a inexistência de indicação de quem foram os autores que tiveram seus direitos autorais violados. Citou precedentes. Pediu a improcedência da denúncia e a consectária absolvição do réu.

Autos conclusos à prolação de sentença.

É O RELATO.

PASSO A DECIDIR.

Preliminarmente, registro que o feito transcorreu regularmente, não havendo qualquer nódoa de cunho processual a ser expungida, o que permite o pronto enfrentamento do mérito.

Em isagoge, destaco que o suporte fático proposto na peça vestibular acusatória encontra pleno respaldo na prova coligida aos autos.

Vejamos.

Sucede que, o acusado confessou espontaneamente que adquiriu os DVDs com ele apreendidos pelo valor de R$ 2,00, sendo que os expunha a venda no momento da abordagem por R$ 5,00. Sustentou, inclusive, ter ciência da ilegalidade de sua conduta.

De outra banda, o policial militar Israel de Moura Lorenzato foi taxativo no sentido de que o réu efetivamente patrocinava a venda de mídias falsificadas em via pública, as quais foram objetas de apreensão.

Diante deste contexto, não pairam dúvidas de que o acusado efetivamente perpetrou o fato que lhe é imputado na exordial acusatória.

Pende de análise, contudo, a adequação típica deste agir, isto é, se a comercialização de cópias não autorizadas CDs/DVDs caracteriza infração penal, mormente considerada a sua nítida aceitação social.

Dada a natureza da questão trazida á baila, reputo indesviável breve digressão sobre a evolução da tipicidade penal. Isto porque, tenho que, à solução da controvérsia proposta, dissentirá conforme a percepção de Direito Penal do interlocutor, notadamente no que pertine à compreensão da extensão de dimensões da tipicidade penal.

Nesse diapasão, desde o final do século XIX, até metade do século XX, preponderou a “Teoria Causal-Naturalista da Ação”, cujo predecessor foi LISZT, que se contentava em conceber a conduta como o “movimento corporal voluntário que causa modificação no mundo exterior”. O conteúdo da vontade, por sua feita, era avesso à conduta, relegado à culpabilidade. Sucedeu-lhe, em idos da década de 1960, quando exsurge a “Teoria Final da Ação”, idealizada por WELZEL, o tipo penal era composto de apenas dois âmbitos, de duas dimensões, a formal-objetiva e a subjetiva. Inexistia valoração no tipo penal, carente de elemento normativo.

Aos adeptos de uma concepção mais reacionária, afetos ao “Direito Penal Máximo”, por certo trilhar-se-á por resposta positiva à indagação. Argumentar-se-á que inexiste nos elementos objetivos do tipo penal qualquer ressalva acerca da não caracterização do delito nas hipóteses teladas, com base em sua só aceitação pela maioria da sociedade. É que aos fins da “Teoria Causal” e da “Teoria Final”, o juízo de subsunção da norma é tão-somente subsuntivo. Tipicidade legal ou formal e tipicidade penal eram conceitos monossêmicos.

Inobstante, entendo que tal posicionamento não se afigura mais consentâneo às noções de fragmentariedade, subsidiariedade e de mínima intervenção do Direito Penal. Dito entendimento não resiste aos avanços evidentes da Ciência Penal, notadamente ao ideário carreado pelas teorias funcionalistas e constitucionalistas.

Com efeito, com o advento das “Teorias Funcionalistas” (ou Teleológicas), encetadas por ROXIN, na década de 1970, passou-se a conceber conjuntamente Direito Penal e Política Criminal, com o escopo de que o primeiro passasse a atender às expectativas sociais.

Atribuiu-se, a partir de então, enfoque à tutela pela norma penal apenas daqueles interesses juridicamente relevantes. Descortina-se a relevância da objetividade jurídica tutelada pela lei penal.

Por conseguinte, diagnosticou-se que, entre a tipicidade objetiva e a tipicidade subjetiva, haveria a necessidade de obtemperação valorativa ou normativa (a partir da teoria da imputação objetiva), permitindo o alcance de uma noção material da tipicidade penal.

Outrossim, ainda, na última década do Século XX e início do novel milênio, exsurgiu moderna concepção do Direito Penal, subministrado às cominações constitucionais. Trata-se da denominada “Teoria Constitucionalista”, cujos expoentes são ZAFFARONI e LUIZ FLAVIO GOMES.

Ao específico desate da controvérsia, releva destacar que os adeptos desta hodierna doutrina afora não desconhecerem a importância da objetividade jurídica, acrescentaram ser indispensável o elemento da ofensa. O tipo penal consubstanciar-se-ia, logo, no conjunto de pressupostos que fundamentam uma determinada ofensa ao interesse jurídico tutelado na norma penal.

ZAFFARONI e PIERANGELI lecionam que:

“(...) não se concebe a existência de uma conduta típica que não afete um bem jurídico, posto que os tipos não passam de particulares manifestações de tutela jurídica desses bens”.

Discorrendo sobre o “princípio da utilidade penal”, o invulgar jurista italiano LUIGI FERRAJOLI, com muita propriedade, elucida que a intervenção do direito penal, com limitação à atuação individual apenas às ações reprováveis por “seus efeitos” lesivos a terceiros:

“A lei penal tem o dever de prevenir os mais graves custos individuais e sociais representados por estes efeitos lesivos e somente eles podem justificar o custo das penas e proibições. Não se pode e nem se deve pedir mais ao direito penal.”

Nesta esteira, entendo que deve se atentar à noção material de tipicidade. Há que se observar o seu aspecto valorativo (normativo) e, só então, extrair o juízo definitivo de tipicidade.
LUIZ FLÁVIO GOMES e ANTONIO GARCÍA-PABLOS DE MOLINA lecionam que:
          “(...) A tipicidade material tem por fundamento dois juízos valorativos: a) juízo de valoração (desaprovação) da conduta e b) juízo de valoração (desaprovação) do resultado. Quando a conduta é socialmente aceita (…) fica afastada a desaprovação da conduta (porque se trata de conduta que cria que cria risco tolerado, aceito). (...)”

Dentro desta perspectiva, tenho que o Direito Penal contemporâneo desperta a necessidade de uma exegese da norma penal subministrada por noções de proporcionalidade, razoabilidade e, sobretudo, de subsidiariedade.

Há que se atentar sobremaneira ao princípio da intervenção mínima do Estado, filtrando-se as condutas a serem reprimidas pelo Direito Penal, de modo que apenas aquelas efetivamente causadoras de lesões importantes a bens jurídicos relevantes sejam por ele tuteladas.

Sob este enfoque, soa despropositada a mantença de penalização de condutas que desafiam o Direito meramente em sua acepção formal, por singelo exercício de subsunção a um texto, mas que não despertem efetivo perigo à harmonia e à paz social.

Ao escopo de proteção de tais condutas subsistirá o emprego do Direito Civil e do Direito Administrativo, conforme a natureza da violação, nos quais, à toda evidência, lograr-se-á resposta estatal razoável e proporcional aos ilícitos de somenos.

É com esse ideário que a melhor doutrina penalista cunhou os princípios da insignificância, desenvolvido por CLAUS ROXIN e o da adequação social, orientado por HANS WEZEL, reduzindo o âmbito de incidência do Direito Penal.

Ao desate da presente contenda, inexorável a aplicação doprincípio da adequação social. Como é cediço, tal princípio foi desenvolvido sob a premissa de que uma conduta socialmente aceita ou adequada não deve ser considerada como ou equiparada a uma conduta criminosa.

Trata-se, enfim, como destacado por diversos doutrinadores pátrios, de uma regra de hermenêutica tendente a viabilizar a exclusão da tipicidade de condutas que, mesmo formalmente típicas, não mais são objeto de reprovação social relevante, pois nitidamente toleradas.
LUIZ FLÁVIO GOMES e ANTONIO GARCÍA-PABLOS DE MOLINA acentuam que:

          “(...) Em casos concretos, em que a conduta do autor aparece claramente como algo comum, normal, conforme determinado lugar e período histórico-cultural, ou ao menos tolerada, acaba a 'necessidade' de pena, que político-criminalmente só se justifica quando em jogo está a convivência social, quer dizer, frente a ataques socialmente perturbadores e transcendentais para bens jurídicos de grande importância.
Afastada a 'necessidade' de pena, só resta encontrar base jurídica ou o ponto de apoio sistemático que dê fundamento e torne possível esse resultado. No caso de condutas socialmente adequadas, a base dogmática consiste exatamente na teoria da adequação social, que é o instrumento que permite reconhecer o valor ou a ausência de desvalor da ação e, desse modo, o próprio valor ou a ausência de desvalor do resultado ou pelo menos sua tolerância social, com o que resta excluído o tipo penal. O eixo central da tipicidade material reside no desvalor da ação, no desvalor do resultado assim como a imputação objetiva. O resultado é desvalioso (dentre tantas outras exigências) quando intolerável. No caso da adequação social, não estamos diante de um resultado intolerável. Logo, não há tipicidade material (...)”

FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO obtempera que:

“(...) se o tipo delitivo é um modelo de conduta proibida, não é possível interpretá-lo, em certas situações aparentes, como se também estivesse alcançando condutas lícitas, isto é, socialmente aceitas e adequadas”.

E prossegue o renomado penalista:

“(...) podem as condutas socialmente adequadas não serem modelares, de um ponto de vista ético. Delas se exige apenas que se situem dentro da moldura de comportamento socialmente permitido ou, na expressão textual de Welzel, dentro do quadro de liberdade de ação social (…), o que, em última análise, como observa Mir Puig, se reduz a essa afirmação apodítica: não se pode castigar aquilo que a sociedade considera correto”.

Foi justamente o que ocorreu no caso em liça.

A conduta perpetrada pelo agente é flagrantemente aceita pela sociedade e, por tal motivo, impassível de coerção pela gravosa imposição de reprimenda criminal.

Basta circular pelas ruas e avenidas centrais de qualquer cidade deste país, para que se vislumbre milhares (quiçá milhões) de pessoas comprando CDs e DVDs falsificados (“pirateados”, no linguajar popular) com naturalidade, sem qualquer receio de imposição de abordagem policial, quanto mais de imposição de sancionamento.

E o mais espantoso, é que a prática de fatos afrontosos aos direitos autorais são cometidos às escâncaras em diversos setores das classes média e alta, mas, como costuma acontecer em um sistema jurídico afeto à seletividade , apenas as camadas populares arcam com o revés da incidência estigmatizante do Direito Penal .

Nesse sentido, LUIZ FLAVIO GOMES e ANTONIO GARCIA-PABLOS DE MOLINA:

"O controle social é altamente discriminatório e seletivo. Enquanto os estudos empíricos demonstram o caráter majoritário e ubíquo do comportamento delitivo, a etiqueta do delinquente, sem embargo, manifesta-se como um fator negativo que os mecanismos de controle social repartem com o mesmo critério de distribuição dos bens positivos (fama, riqueza, poder etc.): levando em conta o status e o papel das pessoas. De modo que as "chances" ou "riscos" de ser etiquetado como delinquente não dependem tanto da conduta executada (delito), senão da posição do indivíduo na pirâmide social (status). Os processos de criminalização, ademais, vinculam-se ao estímulo da visibilidade diferencial da conduta desviada em uma sociedade concreta, isto é, guiam-se mais pela sintomatologia do conflito que pela etiologia do mesmo (visibilidade versus latência)".

Então, carros de alto luxo dotados de equipamentos habilitados à reprodução de músicas em formato digital (“MP3”), as quais, invariavelmente, são “baixadas” de “sites” da “internet”, sem qualquer valor adimplido aos detentores dos direitos autorais, trafegam livremente pelas vias públicas. Crianças e adolescentes de classes mais abastadas, circulam com seus “Ipods”, “Ipads”, “Iphones” e aparelhos outros, ouvindo canções que foram objeto de “download” nas mesmas circunstâncias...

Em festas de aniversário, de casamento ou de formatura das classes sociais economicamente privilegiadas, as “lembrancinhas” que agraciam os convidados, muitas vezes, são CDs ou DVDs de mídias gravadas sem observância à legislação tuteladora dos direitos autoriais.

Mas contra tais pessoas, existe algum tipo de coerção estatal? Há nota da expedição de mandado de busca e apreensão a residências de pessoas que realizam gravação de de mídias deste gênero, em violação ao art. 184, “caput”, do CP? Algum condutor de veículo, que tenha sido alvo de abordagem de rotina pela atividade policial, flagrado fazendo uso de mídia “pirateada”, teve seu criminalmente autuado na forma do art. 184, “caput”, do CP?

Obviamente, não. Como sói acontecer neste país, boa parte da reprimenda criminal parece estar voltada às classes baixas, economicamente desassistidas.

Então, aqueles que nitidamente não obtiveram colocação no mercado de trabalho formal e buscaram sustento no comércio informal, acabam suportando a ira da legislação penal simbólica e voltada, exclusivamente, à tutela de grupos econômicos específicos...

Enfim, o que se denota, pois, com clareza, é que se está diante de uma prática contrária ao direito, em que o agente obtém ou intenta obter lucro com a comercialização de criações que não são de sua autoria, sem o pagamento dos valores devidos ao titular da obra.

Contudo, não se está diante de prática rechaçada pela sociedade de modo expresso, notório, tendente a justificar a contundente intervenção penal.

Assim sendo, transparece que a prática ilícita cometida pelo denunciado seria passível de contenção mais razoável e proporcional com a só intervenção do Direito Administrativo, quiçá com mera apreensão dos produtos contrafeitos e imposição de sanção pecuniária.

Não há como conceber a imposição do cárcere a uma conduta que encontra tolerância na quase totalidade da sociedade...

Nesse sentido, dada a evidente pertinência ao caso em liça, colaciono voto da lavra do Des. Luiz Felipe Haddad, por ocasião do julgamento do Apelo Criminal nº 6600/2009, da Sexta Câmara Criminal, do E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, in verbis:

“(...) Com efeito, os policiais civis Ricardo dos Santos Sá e André Felipe de Sousa da Silva, em hora matutina do dia 09 de janeiro de 2008, no interior da residência do réu e de sua companheira Mariângela, acharam e arrecadaram 718 DVDs de películas cinematográficas e de “shows”, além de 39 CDs de músicas variadas.
Constando, na ocasião, que grande parte daquela mercadoria seria vendida em uma feira dominical que sempre se realiza na cidade de Nilópolis. Tendo o laudo pericial do ICCE comprovado as falsificações, e conseqüentes violações de direitos autorais.
Os indícios referidos foram corroborados no processo propriamente dito. Embora o réu, no interrogatório, tenha dito que trabalhava em um “lava-jato”, e que tais CDs e DVDs não seriam para venda, mas para utilização pessoal, tal versão é refutada por elementar lógica. Sendo ele um cidadão de baixa renda, não se daria ao luxo de colecionar CDs e DVDs em grande quantidade, podendo vendê-los na dita feira ou até em qualquer rua, na condição de camelô.
Apesar disso, a absolvição deve ser confirmada, por outros fundamentos. É fato notório que CDs e DVDs “piratas” são vendidos, e revendidos, às escâncaras, nas grandes, médias e pequenas cidades, deste Estado do Rio de Janeiro, e em quase todo o Brasil. Basta que qualquer um de nós, saindo deste Tribunal, dê uma volta pelas artérias próximas, que poderá escolher e comprar um dos mesmos, por dez reais cada DVD, ou por cinco reais, cada CD. E a razão disso repousa em que tais objetos de imagem e som, ou apenas de som, são muito onerosos para a grande maioria da população. Isto, sem falar-se em que diversas pessoas, de camada social média, média para alta, e alta, através do uso da Internet, obtêm cópias também “piratas” de CDs e DVDs.
O julgador não pode restringir-se ao puro positivismo, máxime em matéria criminal. Deve ser atento à sofrida realidade social do país, que persiste apesar de mitigada nos últimos tempos. Pessoas como o réu, e recorrido, tendo que sobreviver com apoucados dinheiros, optam por dedicar-se a atividades nem sempre lícitas. Mas neste caso, não se duvida que vender, como ambulante, CDs e DVDs, por preços módicos, é muito menos lesivo à sociedade do que vender entorpecentes, ou investir com violência ou grave ameaça contra o patrimônio alheio.
Embora o ato praticado pelo réu seja típico em sentido próprio, tal fator é contrariado pela larga aceitação, de tal conduta, pela sociedade, na grande maioria. O que retira, da pretensão punitiva, a justa causa.
Nem mesmo se pode divisar presente o delito de receptação. Repete-se que, para um homem de pouca instrução, de baixíssima renda, e habituado a ver muitas outras pessoas praticando o comércio de produtos “piratas”, o que ele fazia nada teria de anormal.
Aliás, bem salientou a Defensora Pública Thaís dos Santos Lima, em suas finais alegações, que “a compra de mídia pirata se revela como fato socialmente aceitável”.
Condenar-se o recorrido a uma severa sanção prisional, na expressão mínima de dois anos, por uma conduta que se comete por diuturno, do Oiapoque ao Chuí, do Acre ao Rio Grande do Norte; por pessoas de várias condições; será traduzido no que os antigos juristas romanos repudiavam, pelo brocardo summum jus, summa injuria.
Fugirá do ideal de justiça e de equidade. Atingirá o campo do farisaísmo.
Contrariará a Constituição da República no Preâmbulo e no espírito.
Com isto, não se pretende que o dito fato seja impunível.
Mas sim, que antes de diligências isoladas, quase sempre contra excluídos da sociedade, haja sólido atuar dos governantes, e também dos legisladores, no combate à “pirataria”, em suas reais origens.
A dita absolvição, por conseguinte, se fulcra, por analogia, no dispositivo do inciso III, do artigo 386, da Lei Adjetiva. E por interpretação praeter lege. (...)”

No âmbito jurisprudencial, ainda, constato que o entendimento ora sufragado encontra amplo respaldo no Colendo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, conforme se depreende dos arestos que colaciono:

"APELAÇÃO CRIMINAL - VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORIAL - ADEQUAÇÃO SOCIAL - CASO CONCRETO - ABSOLVIÇÃO - MEDIDA QUE SE IMPÕE. I - O Direito penal moderno não atua sobre todas as condutas moralmente reprováveis, mas seleciona aquelas que efetivamente ameaçam a convivência harmônica da sociedade para puni-las com a sanção mais grave do ordenamento jurídico que é - por enquanto - a sanção penal. II - O princípio da adequação social assevera que as condutas proibidas sob a ameaça de uma sanção penal não podem abraçar aquelas socialmente aceitas e consideradas adequadas pela sociedade." (Apelação Criminal 1.0325.08.009107-8/001, Relator para o acórdão: Des. Alexandre Victor de Carvalho, j.: 10/11/09).

"VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL - VENDA DE CD E DVD PIRATAS - ABSOLVIÇÃO - ERRO DE TIPO - SENTENÇA MANTIDA. - Mantém-se a decisão do MM. Juiz que absolveu a ré que foi flagrada vendendo em seu estabelecimento comercial diversos CDs e DVDs reproduzidos com violação de direito autoral, cuja conduta, apesar de formalmente típica, não é antijurídica, numa idéia material da tipicidade penal." (Apelação Criminal 1.0685.07.003798-9/001, Rel. Des. Fernando Starling, j.: 05/05/09).

Atípico, pois, o agir do acusado, medida outra não resta que não sua absolvição!

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE A DENÚNCIA, a fim de ABSOLVER o réu DIEGO FERNANDES MARQUES, com arrimo no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.

Custas pelo Estado, na forma da lei.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Alvorada, 1º de março de 2012.

ROBERTO COUTINHO BORBA,
Juiz de Direito.

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